venerdì 28 giugno 2019

17. Com-templo

Enquanto eu escrevo, a garotinha se lança no ar! É um pontinho rosa no balanço. É bonito de ver. Destaca o verde das folhagens ao fundo… penso na Mangueira. Rio sozinha. 

Estou num parque e a contemplo. Com-templo. A italianinha cor-de-rosa é meu templo. Um dos muitos que encontrei até agora.

Contemplar é verbo transitivo direto e, às vezes, pronominal: fixar o olhar em (alguém, algo ou si mesmo), com encantamento, com admiração. Observar atentamente; analisar.
Fui lá bisbilhotar o dicionário, porque o verbo - poverino! - já quase caiu em desuso. Não, o termo não! Todo mundo sabe o que é contemplar. É da ação que nos esquecemos.


Do latim contemplari, “observar, prestar atenção”, originalmente “marcar um espaço para observação”, como faziam certos adivinhos em Roma antiga. Forma-se por com-, intensificativo, mais templum.

Roma Antiga? Vim parar no berço das contemplações! E quase morro de amor com essas sincronicidades junguianas!
Tá, mas o que é um templo?

Templo (do latim templum, "local sagrado") é uma estrutura arquitetônica dedicada ao serviço religioso, como culto. O termo também pode ser usado em sentido figurado. Neste sentido, é o reflexo do mundo divino, a habitação de Deus sobre a Terra, o lugar da Presença Real.

Estou extasiada com a minha nova palavra favorita que mal sei começar o parágrafo. A minha bambina é a Presença Real do Divino sobre a Terra. E quem haverá de negar?

Sabe, nunca consegui ao certo ter uma religião. Mas não é por falta de divindade não… sempre foi por abundância. O meu divino nunca coube em nenhuma instituição. Eu juro que tentei. Fiquei lá esmagando o benedetto, cortando o pé de Deus para ele caber em algum dos inúmeros Re-ligare do Brasil (e da Europa, África, Índia, etc) para ver se assim eu me re-ligava mais fácil. Em vão. Ele/ Ela sempre foi por demais de grandioso e teimava em sair da moldura, espaçoso que é. E penso que a Antiga Roma possa inaugurar outra possibilidade para esse Divino…

Desculpem, ainda estou atônita com o terceiro parágrafo: “marcar um espaço para a observação”. 

Qualquer cidadão que tenha vindo diretamente da capital paulista para a Europa deve ter ficado perplexo com o ritmo das coisas por aqui. O serviço demora, nem sempre o garçom vem a hora que você quer… O almoço não é na frente da planilha; é apreciando a Piazza di Spagna. A saída com os amigos não fica para o fim-de-semana não. “Que tal na 3f depois do trabalho?” - que é às 18h; não às 23h - E, alla romana, faço uma pausa para respirar. Retomo o ritmo. Continuemos.

É que os italianos são mais… contemplativos. Tenho quase a ousadia de dizer que os europeus em geral o são. Não vou nem chegar na Ásia, porque é de meter vergonha em qualquer paulistano! Conheci um médico indiano essa semana que me transmitia tanta paz que eu fiquei constrangida com a minha própria ansiedade! O cara flutuava, eu hiperventilava. 

“Da dove viene?”
“Brasile. San Paolo”
“Ah, troppo grande San Paolo. Troppi stimoli.”*

Queridão, você não faz nem ideia da quantidade de estímulos… tá achando que caos é só vaca na rua?
Mas deixemos as vacas e a Índia… Voltemos ao oeste.

A Europa tem me ensinado a respirar. A colher as verduras na boa época, a saborear um gelato (correção: uns mil gelatos!) com atenção, a conhecer os moradores do prédio. A Itália me ensina a brotar e a morrer… Os italianos, diferentemente dos brasileiros, não expressam a religiosidade em centenas de cores e doutrinas (que é colorido e maravilhoso e eu amo!), mas aqui a riqueza é outra. 

Os romanos, em sua grande maioria católicos ou ateus (juro - por todos os deuses! - que só conheci romanos católicos e extra-céticos até agora) não se dão conta do quanto são vastas as suas divindades para mim. Gostaria que soubessem que têm ensinado uma brasileira - graduadíssima em cristianismo, hinduísmo, macumba e por aí vai - a respirar o divino do cotidiano. Meu Deus, que era gigante e complexo, tem ficado cada vez mais prosaico. Mais simples. Mais imediato.

Enquanto reviso o texto, a garotinha já foi embora… Preciso de um novo templo. Afortunadamente, nos últimos meses o sol não está com pressa nenhuma de se pôr… até ele sabe contemplar a Terra antes de dormir.

Terei um tramonto literário só para mim. E tantos deuses quanto quiser.


*“Ah, troppo grande San Paolo. Troppi stimoli.”: "São paulo é grande demais. Estímulos demais".





mercoledì 19 giugno 2019

16. Com Darwin no divã

identidade


substantivo feminino

1.qualidade do que é idêntico.
2.conjunto de características que distinguem uma pessoa ou uma coisa e por meio das quais é possível individualizá-la.

Isso é o que aparece na tela quando digitamos “identidade definição” no Google.

Idêntico.

Pois bem, refiz a pesquisa com “identidade etimologia”:

identidade

Origem
⊙ ETIM lat. identitas,ātis, do lat.cl. idem 'o mesmo'

Idêntico. O mesmo. 

E por aí vai, a pesquisa se amplifica: identidade visual, de gênero, cultural...

Impossível não se questionar sobre o que te distingue e te individualiza estando imersa no mar do estrangeirismo.

O Wikcionário disse que é porque eu não sou “o mesmo”;

O policial federal olhou a cor do meu passaporte (a carteira de identidade internacional);

A florista do bairro riu do acento que denunciou o meu sotaque que não era idêntico ao romano ;

Já os amigos italianos se atentaram ao fenótipo e me identificaram com cara de polaca;

O outro rebateu que eu poderia “muito bem ser italiana”. Um mesmo. Um como eles.

Caspita! O que me faz… eu?

Meu sangue é 50% português, 20% italiano, 20% espanhol e 10% polonês. Bom, pelo menos foi isso o que me contaram. Ninguém na minha família foi no Ratinho fazer DNA.

Fora isso, meus antepassados atravessaram oceanos, mudaram de nome e sobrenome, conheceram gente pra dedéu e podem ter transado com essa gente no porão do navio. Tô achando muito difícil essa porcentagem estar tão exata assim...

Para complicar ainda mais, nasci em São BeRnaRdo do Campo. No Brasil.

Amo mandioca, odeio carnaval. O feijão sai bom, mas a caipirinha é um desastre. O biquíni é carioca, o nariz é italiano.

O que é ser brasileiro?

Aqui fica todo mundo frustrado com a minha falta de melanina quando eu revelo o país de origem. Vai explicar pro gringo eurocentrista que o emblema do Brasil é a miscigenação e que a gente fez feira de ciência vestido de Tarantella (quem nunca?) para falar da imigração… Eles só queriam que eu fosse mais preta. Seria menos incômodo.

Pelo menos no samba eu não decepciono! Ficam todos mais tranquilos e acomodados aos seus estereótipos.

É isso que incomoda. A gente busca identidade. Não é só o europeu não. É da condição humana ser gregário, buscar se agrupar, pertencer… e ai de quem trair a ordem!

A União Europeia não quer ninguém ilegal. O couro do documento tem que ser vermelho, mesmo se 500 anos antes eles invadiram as nossas ocas. 

“Desculpe, cadê o visto? Você não é comunitário”. (Eles usam essa palavra para os cidadãos da UE). “Mercosul é na outra fila…”

A gente também não quer ninguém que atrapalhe a ordem. Seja o refugiado africano na Av. São João, seja o aluno de inclusão na sala de aula. O não-comunitário, o não-identitário incomoda.

Tudo bem que é gostosinho ter where to belong. A gente gosta de quem gosta das mesmas músicas da gente, dos ritos, crenças, do partido político da gente. É confortável, não nego.

Mas será que essa obsessão pelos símiles precisa ser tão implacável? É útil isso?

Darwin discorda. Fiquei encantada na semana passada! Estava lendo para palpitar a dissertação de mestrado¹ de uma querida amiga psicanalista sobre o conceito de “adaptação” nas escolas com crianças de até 3 anos. (Sim, adaptação...estou chafurdando nesse assunto por razões óbvias…)

Bom, o texto dela é tão profundo que eu nem ouso citar (ao invés de palpitar, eu aprendi!), mas vos trago porque fiquei sensibilizada com o paralelo traçado com a Evolução das Espécies de Darwin.

O pai da Teoria Evolucionista é um dos grandes mestres da ciência a falar de adaptação e minha colega psicóloga lança mão de seus conceitos para mostrar que, por mais que a evolução das espécies se dê pela perpetuação da genética (sempre a mesma) dos mais aptos ao meio; é justamente na desadaptação - na falha, nas mutações genéticas - que é possível forjar uma nova espécie não identitária e mais interessante de outro ponto de vista. 

Sacou aonde eu tô querendo chegar?

A identidade é esse vestígio passível de contorno e definição nessas adaptações e desadaptações que fazem a evolução. A identidade - pelo menos para mim - nunca está dada.

E a graça do negócio é essa! Tem horas que a gente se aliena infantil e confortavelmente na identificação dos símiles para posteriormente se desadaptar (fazer nossas mutações!) e seguir construindo novas identidades.

Eu nunca serei italiana. E a minha identidade brasileira reside aí: Só consigo escrever em português, meus gatos miam em português e agora aqui em casa só se fala português. 

Minha identidade está no Caetano cantando um baianês aberto no Spotify e no grito incontido com o gol da Marta ontem à noite (contra a Itália!hihihi)

Mas não me furtarei de fazer minhas mutações e permutas. A Ciência já me contou que é no remodelamento que a mágica acontece… seja ela qual for.

E meu amor me mostrou que é na com-posição que se constrói identidades. Ele vai no piano de Vivaldi. Eu vou na voz de Elis. Quem sabe não fazemos a nova bossa nova?

Queremos ter uns dez filhos: um em cada país. Um de cada jeito. Matteo Salvini não gosta. Mas Charles Darwin adora.

¹ Dissertação de mestrado ainda não foi defendida e publicada. Quando for a ocasião, citarei o nome da autora e título da dissertação para quem se interessar em aprofundar o tema. Aqui - se tratando de um blog informal - foi apenas extraída a minha releitura para embasar a crônica. O texto em questão é muitíssimo mais rico e teórico. Aguardem!


Darwin Political Cartoon from Pinterest




mercoledì 12 giugno 2019

15. A Vida na Hora

Hoje é um dia lindo… no instagram. É o dia dos Namorados, dia em que - no meu país natal - se celebra o amor. Os italianos ao meu redor não estão nem atinando para os valentinos, mas meu cuore brasiliano (e minhas redes sociais) me lembram que é dia de amar. Então gostaria de dedicar esse texto a todos que apostam e investem no amor. Sobretudo, gostaria de honrar aqueles que, como eu, foram e são corajosos (ou desequilibrados?) suficientes para amar à distância. Ou, ainda mais, a se mudar por amor.

O sujeito que larga a sua vida inteira - endereço, família, língua madre, sol, amigos, estabilidade, etc (a lista é infinita) - por um outro ser no mundo é... um maluco completo! Um histérico incurável! 

Quando penso que me despedi de avós no fim da vida, encaminhei quarenta pacientes em sofrimento e enfiei meus dois gatos (também em sofrimento) num avião para vir para um país que eu nem gosto tanto, eu tenho vontade de me internar. Ou de me automedicar. Ou mandar caçar o CRP da minha psicóloga… Talvez até dar uma bronca nos meus próprios pais. Quem permite a um ser humano tamanha imprudência?? Não importa que eu tenha 30 anos! Alguém teria que impedir esses atos levianos! Não?

Não. Ninguém impede. O amor tem um non so che cosa que enfeitiça as pessoas! Fica todo mundo doidão, achando tudo maravilhoso e apostável. Vira instagram.

As fotos de flores, jantares e promessas escondem os litígios, omitem os desencontros e travestem as insatisfações. 

Igualmente, a frase - pronunciada entre suspiros, talvez até inveja - “se mudou! Foi embora por amor” oculta toda a dureza da vida como ela é. 

Pensem comigo que o cidadão que “se muda por amor” é tão doido que ele topa pular etapas de um relacionamento que nenhuma criatura em sã consciência faria: O casal passa de um namoro virtual… para o casamento! Cinema de fim-de-semana? Não teve. Férias com a família neurótica? Not. A briga pela arrumação do quarto? Qual quarto? O do hotel? 

Dessa forma, o casalzinho recém-formado se encontra no vestibular da real life sem ter feito curso intensivo! É dirigir sem CFC! Ir para o palco sem ensaio! Competir sem treino! Puta sacanagem!

Mas como haveria de ser?
Alguém precisou se mudar. 
Morar separados? E quem paga o aluguel sozinho com o euro a 4,5?
E quem aguenta o desamparo da (in)adaptação junto à solidão?

Me faz pensar quase nos casamentos arranjados do passado. Ou os atualíssimos matrimônios entre os indianos, muçulmanos ou judeus. Um passo no escuro.

Para eles, uma Fé ferrenha na escolha divina, astrológica e dos genitores.
A nós, ocidentais, se restringe à Fé no amor. A aposta na escolha que, para nossa infelicidade, não foi papai que fez. Nem o do Céu e nem o da Terra. Nossa miséria neurótica não vai poder botar a culpa em ninguém. Nós escolhemos. Então vai lá pagar o preço da escolha…

É de uma coragem Humana! Mais que Divina! É o enfrentamento da vida-como-ela-é MAIS o catalisador da urgência e do não ensaio. É uma coisa absurda!

E as pessoas fazem. Nós fazemos. Eu fiz.

É uma prova de fogo que a foto do Coliseu esconde… mas que é muito mais bela e potente que o Coliseu. É um amor e um investimento colossal.

É uma construção muito mais minuciosa e atenta que os Arcos Romanos. São os nossos arcos e laços que, ao invés de se degradarem, prometem se assentar com o tempo.

É mais sagrado que a Capela Sistina, porque Michelangelo pode planejar… e nós rabiscamos de improviso.

É a coisa mais grandiosa que eu já fiz.

Obrigada aos meus pais, amigos e analista que não me internaram. Que abençoaram a união como um guru hindu e apostaram na nossa sorte. Mas, ainda mais, apostaram na nossa capacidade de restauração. 

Hoje não vai ter meu gringo bonito no Instagram. Vai ter a verdade ao mesmo tempo delicada e cortante de minha poetisa mais sensível e polaca (como meu sangue):

A vida na hora.

Cena sem ensaio.

Corpo sem medida.

Cabeça sem reflexão.

Não sei o papel que desempenho.

Só sei que é meu, impermutável.

De que trata a peça

devo adivinhar já em cena.

Despreparada para a honra de viver, mal posso manter o ritmo que a peça impõe.

Improviso embora me repugne a improvisação.

Tropeço a cada passo no desconhecimento das coisas.

Meu jeito de ser cheira a província.

Meus instintos são amadorismo.

O pavor do palco, me explicando, é tanto mais humilhante.

As circunstâncias atenuantes me parecem cruéis.

Não dá para retirar as palavras e os reflexos, inacabada a contagem das estrelas, o caráter como o casaco às pressas abotoado – eis os efeitos deploráveis desta urgência.

Se eu pudesse ao menos praticar uma quarta-feira antes

ou ao menos repetir uma quinta-feira outra vez!

Mas já se avizinha a sexta com um roteiro que não conheço.

Isso é justo – pergunto

(com a voz rouca

porque nem sequer me foi dado pigarrear nos bastidores).

É ilusório pensar que esta é só uma prova rápida

feita em acomodações provisórias. Não.

De pé em meio à cena vejo como é sólida.

Me impressiona a precisão de cada acessório.

O palco giratório já opera há muito tempo.

Acenderam-se até as mais longínquas nebulosas.

Ah, não tenho dúvida de que é uma estreia.

E o que quer que eu faça, vai se transformar para sempre naquilo que fiz. 


Extraído do livro Poemas, de Wislawa Szymborska, Companhia das Letras



Wislawa Szymborska, poetisa polonesa