venerdì 27 marzo 2020

28. CoRoma Vírus

(Para Nathalia)

Mesmo antes da China e da crise ficarem tão faladas, já se dizia que, em chinês, a palavra “crise” correspondia ao caractere weiji e que significava tanto “perigo” como “oportunidade”. Dando uma pesquisada mais profunda, descobri que essa definição bonitinha é um tanto falaciosa. O termo, verdadeiramente, quer dizer “crise; situação de perigo; momento precário”. E é apenas a justaposição de “ji” com outros caracteres que produziria o sentido de “chance, ocasião, oportunidade”. Pareceu-me bem OPORTUNO para os tempos atuais. O vírus nos traz, com a crise, a apreensão e o risco emergente; criar a oportunidade é por nossa conta... 


Crisálidas isoladas que estamos (quase) todos nós, fui (apenas mais uma) a ficar pensando na potência da pandemia. O mal-estar sempre foi bom professor.

Quando eu conheci meu marido, estava estudando alemão. E, antes disso, estava estudando norueguês. Brasileiro acha cool morar na Europa. E eu, vaidosa que sou, não pretendia morar na Mooca do União Europeia quando, lá ao norte, existia a Escandinávia! A língua de Dante não tinha atrativos para mim… Mas eis que a oportunidade (ou risco iminente?) chegou. Avassaladora como um vírus invisível: a imigração para Roma.

Sozinha, sem emprego, sem família e sem amigos no fim do inverno europeu. Trancada em casa. Um ano antes que as autoridades determinassem qualquer decreto, eu vivia meu isolamento por vontade própria. O culpado? Co-Roma Vírus. Meu Covid-19 chegou no mesmo ano, nove meses antes de aterrar na terra de Mulan. 

Sim, eu sei que tô catastrofizando tudo. É um desrespeito com o PLANETA eu comparar meu processo de white people problem a essa guerra oculta. E sim, faz toda diferença você escolher ou ser compelido a isolar-se, mas não é esse o ponto. O fato é que a combinação retiro + mal-estar me deu ganhos incomensuráveis que sinto estarem sendo reeditados com a situação atual.

Além do combo de escassez citado acima pelas condições de recém-expatriada, ainda tinha a antipatia com a cidade. Já de partida, eu achava difícil pra caramba gostar de um lugar que tinha matado um Cara tão legal quanto Jesus. O tanto de porta fechada, burocracia, descaso, grosseria, xenofobia e lentidão apenas coroaram o cenário apocalíptico.

Eu falei Apocalipse? É o que o senso comum diz da atual circunstância, certo? Há outros discursos. Sociólogos chamam de divisor de águas da nossa geração; para os espíritas, a transição planetária; prenúncio da Era de Aquário para os astrólogos… a lista continua. Mas eu não tenho condição nem pretensão alguma de me debruçar sobre o assunto. Tem muita gente (qualificada e não) escrevendo coisa (bacana e não) sobre isso. A unanimidade é a seguinte: precisamos encontrar novas formas de produzir, de consumir, de habitar… de existir. 

O expatriado passa por tudo isso. Com uma dose do mesmo bônus do Corona: o medo.

Dentre todas as benesses que o meu Co-Roma me trouxe, a gestão do pânico foi a mais preponderante. Pânico mesmo. Tive minha primeira crise de pânico aos 8 anos de idade e, depois de inúmeros tipos de tratamento em 22 anos (não estou exagerando quando digo inúmeros), não acreditava mais em poder superá-lo. Foi em partes Co-Roma, a minha inimiga sem rosto, que me curou. Completamente. Muita coisa aconteceu nesse solo em isolamento. Em Roma, eu voltei a sangrar. Em Roma, me vi mulher. Em Roma, pensei que enlouqueceria. Em Roma, eu doí até aceitar. Da aceitação germinou a obra e, com a obra, novas formas de habitar e existir. Co-Roma-19 foi boa para mim. “Uma benção disfarçada”, como ouvi do guru indiano.

O mundo está em pânico e, de pavor, eu entendo. E sei que a esquiva de senti-lo, lançando-se no frenesi da vida, é o modo mais eficiente de fazê-lo permanecer. Não é negando que se resolve, não escutemos o presidente. Nem negar, nem enlouquecer. Aceitá-lo, respeitá-lo e retirar-se. O combatimento, diferentemente das outras guerras, é tarefa de alguns poucos heróis das ciências médicas. A nós outros, o retiro. Afinal, caberá a nós decidirmos essas novas formas de existir quando o vírus e o medo passarem. 

O petróleo despencou. Precisamos mesmo reerguê-lo? 

Manteremos limpos os canais da Bella Venezia?

Apagaremos de novo as estrelas que, em apenas 15 dias, voltaram a ser visíveis?


A cooperação não precisa minguar quando o salário cair na conta novamente. O consumo não deve tirar o atraso, nem fazer novo estoque. 

A crise de pânico, quando não aceita e vivida, tende a retornar num labirinto vicioso. O vírus se vai, mas - se precisarmos - a Natureza nos chama a atenção quantas mais vezes forem.

Lembremos dos chineses (povo e léxico): a crise só vira oportunidade se nós fizermos a justaposição. A justa posição.



domenica 15 marzo 2020

27. Pra ver o Corona passar cantando coisas de amor

Estava ativa na vida
Quando esse vírus chegou 
Nos confinando em casa
Pra proteger o vovô

A minha gente aturdida 
Saiu do lavoro
Pro vírus não se alastrar
Causando mais pânico 

E toda escola que ensinava os bambini fechou
A Bovespa que ganhava dim-dim despencou 
O namorado que buscava um beijinho tomou uma multa por estar de passagem 
Enfim o povo que era tão preocupado sorriu
Abriu a boca, o cuore e o otimismo explodiu 
E a italianada no balcão se juntou
Pra ver o corona passar
Cantando coisas de amor

O velho fraco pôs a máscara, a luva e pensou
Que com cautela dá pra ir no terraço e dançou
A romaninha debruçou na janela
Pra ver a Corona Band de sentinela 
A marcha alegre se espalhou na Città e insistiu
A esperança que vivia escondida surgiu
Minha cidade toda se enfeitou
Pra ver o corona passar cantando coisas de amor

Pois o que era desencanto,
Medo, choque e dor
Fez nascer e fez vingar
A fé no coletivo 

E cada Estado do mundo
Bora aprender com o Corô
A saúde é pública 
Privado é egoísmo 

Então vamos despertar 
A fé no coletivo…
A saúde é pública
Vamos aprender com o Corô...
E ver o vírus passar 
Cantando coisas de amor...
Ver o corona passar
Fazendo coisas de amor...
Ver o corona passar
Tomar medidas de amor...


domenica 1 marzo 2020

26. O banquete de Platão no meu domingo não

Hoje é domingo. Pede cachimbo no Brasil. Ou seria pé de cachimbo?
Oggi è domenica. Pede guerra na Itália. Ou seria pé de guerra?

Domingo é dia de almoço em família e, caro mio, se você for italiano isso significa tudo exceto um evento harmonioso.
Italianos não conversam; discutem. Não, não discutem; argumentam. Não, ainda não: polemizam.

Se você está achando convidativo te sugiro relembrar o segundo turno das últimas eleições e aí você me conta se almoçar com seus tios se esbofeteando em cima do strogonoff por Haddad x Bolsonaro não te dava refluxo.

Joga no Google. Polêmica: do grego polemikós que significa prática belicosa ou “a arte da guerra”. Guerra! Ninguém quando pensou na etimologia da palavra falou em “discussão construtiva”, “construção coletiva de um saber”, “filosofia respeitosa”... não não, a galera estava pensando em hostilidade! Guerra, sangue!


Pois é. Assim tem sido a minha refeição dominical há quase um ano. (Será por isso que emagreci?) Acabo de ter um insight nutricional! Não dá para comer com atenção plena como recomenda minha nutricionista quando seu sogro está declamando de memória o Manifesto Comunista sob olhares fulminantes de outras partes pró-USA. Ou quando os tios romanos estão discutindo sobre qualquer - juro qualquer - assunto que um membro do grupo tente iniciar.

Romanos são polêmicos. Fazem polêmica à exaustão. Por tudo e por nada. E gostam disso!

Nero é até hoje um dos imperadores mais polêmicos da história do Império Romano e do mundo. Dois mil anos depois, ainda se discute se, em 64 dC, ele estava em Anzio durante o incêndio que destruiu parte de Roma, ou se foi o responsável pela catástrofe e ficou cantando e tocando lira enquanto a cidade queimava. Nunca iremos saber. Podem discutir, argumentar e arremessar coxas de frangos uns nos outros. Ninguém nunca vai saber.

Longe de mim querer arruinar todo o progresso trazido pelo Iluminismo! Sou a favor do pensamento livre e laico, da consciência individual autônoma e do progresso. Ah, o progresso! Não vim destruir o caráter pedagógico do debate. Acho que meu pai me falou de Platão pela primeira vez eu não devia nem ter dez anos e sempre me incentivou a construir ideias de maneira independente. Nada contra o valor da controvérsia! Mas, pelo amor de Deus (esquece o laicismo agora que eu vou apelar)... porra, na hora do almoço?

O mal-estar reside já faz uns meses, mas nunca me ocorreu trazer o assunto à tona (nem no blog, nem na vida) porque me achava meio boboca por me importar com isso. “Devo ser muito intolerante”, “Eu sou chata mesmo”, “É só um abismo cultural”... E assim a gastrite foi crescendo. Até mês passado! Quando tudo mudou!

Pessoas com autoestima baixa precisam de embasamento teórico para se posicionar e comprar uma briga. Sou uma dessas. Felizmente os deuses - não os deuses belicosos e chatos da Grécia! Mas Thor e os deuses vikings! - ouviram minha prece. 

Comecei a ler sobre a cultura e a educação dinamarquesa por razões de fico-fascinada-que-esses-fdp-estão-há-40-anos-no-topo-do-ranking-de-felicidade-do-mundo e descobri uma porção (uma porção mesmo! Pesquisem!) de coisas interessantes. E, entre tantas riquezas, conheci o conceito de Hygge, a palavra dinamarquesa cuja tradução bem mequetrefe seria “aconchego”.

O Hygge é um estilo de vida dos países nórdicos que envolve uma série de adesões: criar ambientes confortáveis, investir nos laços sociais, implementar medidas de autocuidado e bem-estar para você e suas relações. Bom, e o que isso tem a ver Nero? Aí é que tá!

Os dinamarqueses acreditam que não adianta nada você acender a lareira, dividir o chocolate quente e usar pantufa fofinha se você não investir ativamente em uma comunicação hygge. Eles chegam a fazer um combinado de manter um “encontro Hygge” nos seguintes termos, saca só:






AGORA EU E MEUS AMIGUINHOS (E FAMÍLIA) ROMANOS VAMOS LER TODOS JUNTOS O ITEM 8: TRÉGUAS! “Não dramatizar (leia-se não polemizar), falaremos de política num outro dia”.


Vocês imaginam a minha alegria quando descobri que os cidadãos nórdicos (os chefões da felicidade mundial) eram meus aliados? Procurei o "manifesto do Hygge" em italiano e mostrei para o meu marido no mesmo dia. Estava a ponto de imprimir várias cópias e obrigar agressivamente os meus sogros a assinarem, mas achei que isso não seria uma coisa hygge… então decidimos começar por nós.

Faz duas semanas que eu e meu marido nos comprometemos a não polemizar durante as refeições. Isso envolve uma escolha atenta e consciente de assuntos gostosos, um cuidado intencional com as palavras e um zelo pela nossa relação. Também temos acendido velas em todos os jantares e implementamos outros detalhes que colaboram para o nosso hygge all’italiana. Não é nada fácil. Muitas vezes escorregamos e, quando percebemos, o assunto já está pesado e conflituoso (nós somos dois cabeçudos orgulhosos de sangue quente que não nascemos com os genes inatos e harmoniosos para o hygge). E nos frustramos. Mas não tem problema. Hygge é prática, é treino. Não tem derrota. No outro dia se acende uma nova vela e o exercício recomeça. Com a mesma paciência que se tem para fazer um bom chocolate quente caseiro, mexendo a panela por quinze menos até adensar.

Os domingos continuam alla romana. Com a diferença de nossa descoberta: é que para construir o Hygge também é preciso humildade. Uma paciência quase meditativa de não colocar lenha na fogueira (metafórica), por mais que você não concorde. Hygge é baixar a guarda. Lembrem-se: haverá outro momento para polemizar. Discussão não combina com digestão. Ponha fogo na lenha literal e relaxe.

Dificilmente mudarei milênios de tradição romana, mas já é bastante coisa atentar para a minha contribuição no nascimento e manutenção do conflito. Temos esperanças de implementar uma outra forma de comunicação - bem mais saudável e nórdica - em nossa casa. Para nós. E futuramente para os nossos. Gosto de pensar que seremos um pouco brasileiros, um poucos italianos… talvez até um pouco vikings, por que não? Mas por favor santifiquemos o domingo. O banquete de Platão? No meu domingo não.


O Banquete de Platão, representado por Anselm Feuerbach (1873), Alte Nationalgalerie, Berlim