venerdì 26 luglio 2019

19. Sobre ritmos

Andante, vivace, adagio, allegro, moderato, largo… Na teoria musical, o tempo de uma composição é seu andamento ou velocidade e estes são descritos mundialmente… na língua italiana! Por aí já dá para sacar que os italianos entendem de ritmo, certo? Bem, talvez do ritmo deles.


Tenho fobia xenorrítmica, acabei de descobrir e de inventar essa palavra. 


Tem gente que tem intolerância a laticínio, a glúten... mês passado conheci um italiano com intolerância à frutose! Pelo jeito, intolerância no mundo é o que não falta… Por que eu haveria de ficar de fora? Não é sem algum constrangimento que o reconheço...

Meu mal é sofrer de uma intolerância tempistica. É gravíssimo e muito mais difícil de tratar e de evitar o inimigo. Analise comigo. Talvez você também padeça da mesma enfermidade:

Tenho horror ao tempo que não seja meu. Odeio atraso, tenho aflição de gente cantando e atravessando o tempo da música, repúdio de quem guarda algo que eu ainda ia usar. 

Me espera, poxa! 
ou
Corre! Vem comigo!

Mas não sai do meu tempo, pelo amor de Kronos!

Que angústia!

O sintoma é todinho meu, reconheço com o rosto ruborizado e coberto pela tela do notebook. Sempre fui a doida ansiosa e desrespeitosa com a pulsação alheia, sempre fui aquela mãe neurótica que quer que o filho arrume o quarto mas tem que ser na minha hora! Forço (ao menos tento forçar) o mundo “descompassado” (na minha vaidosa opinião) a funcionar na cadência determinada pela minha caprichosa vontade. Sou de verdade a mãe chata clichezona que faz o filho estudar, mas não pode esperar o seriado acabar. Tem que ser agora! Porque eu quero. 

Você também sofre disso? É fóbico xenorrítmico? Avesso aos ritmos do outro? Sim? Então eu te advirto: Preserve-se! Não venha para Roma!

Apesar da loucura ser minha (talvez nossa), Roma é a Rainha Perversa e descompassada que pode catalisar o pior da sua obsessão! 

Roma vai te dizer que o ônibus chega às 11h10… não se engane, ele dificilmente chegará antes das 11h20.

Ela promete que a equivalência do diploma demora só 3 meses e depois sai do armário do Sérgio Malandro dizendo “Pegadinha! Virou 2 anos!”

Ela garante que a primavera chega em março e morre de gargalhar enquanto lança geadas frias e do mal em pleno maio!

A safada te cobra 100 euros pela coleta do lixo e depois não passa… Ou melhor, passa quando der na telha. “Enquanto eu me arrumo, fique aí morando no esgoto” - grita e ri gostosamente enquanto conta as notas pagas pelo imposto.

É uma filha de um p@#$%! Só porque é bonita e gostosa, ela acha que pode fazer essas coisas com a gente! Andei zangadíssima!

Tão zangada com as cadências tortas de minha nova cidade que me fez atrasar o ritmo dos textos que faço justamente para Ela! Tem cabimento?

Amigos ponderados me dirão para eu aproveitar para aprender, controlar minha ansiedade, bla bla bla. Eu juro que estou tentando. Parei de encher os pacová do Ministério da Saúde (pelo diploma), da assessora (pela cidadania) e do meu companheiro (lhe implorando para estender as roupas no exato e preciso segundo de meu desejo).  Não faço mais. Tenho respirado e dito a mim mesma (como um mantra de proteção): “Não ser no meu tempo não significa não ser em absoluto”. Existe. Apenas em outro compasso.

E acabo de me lembrar de uma amiga que esteve ansiosa pois gostaria de engravidar e o marido relutava com o típico “ainda não”, “eu quero mais tarde”. Minha amada colega - tão histérica quanto eu - ouvia apenas o “não agora” e suprimia completamente o “eu quero” de seu parceiro. Acho uma história inspiradora por me ensinar a ouvir além da pressa e dos caprichos. Tem um sim um pouco mais adiante. Prossiga observando a areia que desliza na ampulheta.

Roma me zoa e quero acreditar que é para diminuir a minha teimosia. Estou tentando ser obediente e dançar sua louca Tarantella com tempos que eu definitivamente não entendo.

Parte de mim quer aprender logo a lição e os passos para que eu possa em breve voltar a valsar ao som do Danúbio Azul de Strauss. Austríaco. Pontual. Regular.

Quem sabe Kronos, após a experiência do Caos, me conceda morar na Suíça, especificamente dentro de um relógio, deleitando-me com o tic tac periódico que massageia a minha loucura. Por enquanto permaneço… balançando loucamente na desordem temporal mezzo adagio, mezzo vivace da Via del Corso.




domenica 7 luglio 2019

18. Humus goela abaixo

“Os romanos lançavam mão de vários vocábulos para designar a terra ou o solo: tellus, terra, humus, solum. O primeiro chegou até nós apenas por via erudita, através do adjetivo telúrico, enquanto o terceiro deu origem a húmus (com a variante humo), De humus provém o adjetivo humĭlis, que designava, em latim, tudo o que estivesse perto do solo ou, por extensão de sentido, tudo o que tivesse pouca altura. Servia para qualificar pessoas, animais, plantas e qualquer objeto. (...)

Já em latim clássico apresentava humilis vários sentidos figurados («de baixa condição, obscuro», «que tem sentimentos baixos», «abatido», «desanimado», «pouco importante, fraco»), mas só com os autores cristãos é que assumiu também o significado de «humilde por virtude», passando a designar igualmente aquele que, de forma mais ou menos manifesta, reconhece as suas limitações.”*

Não me assombra que sejam justamente os romanos a nos rebaixarem à terra - humus - para que reconheçamos os nossos entraves. Apanhei em três meses o que não havia feito em três décadas. Talvez você se reconheça: paulista, branca, privilegiada, classe média-alta, colégio particular, mensalidade cara de ballet, Cel Lep (também uma bica), empregada doméstica em casa. Tudo balizado para nutrir, para suprir, para repor, para agregar. Não me queixo. Anzi, agradeço todas as nossas noites a Deus, a todos os Orixás e à minha família pela bênção das oportunidades, da fartura, do conforto.

Mimada eu não diria… minha mãe sempre foi braba pra danar e meu pai disciplinador. E tenho um irmão que me abraçava e me dava socos na mesma medida. Me foi ensinado esperar, valorizar, doar, agradecer. Sou profundamente grata.

Mas caspita! A fartura estava lá. Sou privilegiada. E talvez vocês - ou pelo menos a maioria dos meus leitores - também sejam. Somos privilegiados. E o privilégio ensina pouco.

Fui pro Google:

privilégio

⊙ ETIM lat. privilegĭum,ĭi 'lei excepcional concernente a um particular ou a poucas pessoas; privilégio, favor, graça'

Ecco! O privilégio concerne a um particular, ao singular e incomum. O EXTRAaordinário! Ser privilegiado na sociedade nos faz sentir especiais. Diferentões. É uma ego trip de dar vergonha. E eu caí nessa! Tô com vergonha… mas tudo bem, muita gente cai. É a história cliché de não conseguir trocar o “Por que isso aconteceu comigo?” 

por

“Por que não comigo?”


Não sou especial. Nem você.

A Olimpíada de língua portuguesa me enganou! Me deu medalha e me chamou de especial. O lugar de solista na coreografia também… que tirano! Me senti a única a desempenhar aquele papel. O Curriculum nem se fala: a grana investida por meus amados genitores deu frutos de modo que trabalho - no Brasil - nunca me faltasse.

No Brasil.

Acontece que sair da sua terra - humus - e se alojar no solo do outro te aproxima ainda mais do chão. O teu lugar privilegiado ao sol não está mais garantido… no máximo um aquecedor xexelento no inverno se você puder pagar (com euro a 4,3. Boa sorte).

No estrangeiro, nossas características distintas e favorecidas se perdem na multidão dos imigrantes. Uma multidão de iguais. Desencana de ser diferentão. Não está afiançado que, nesta outra terra, os seus atributos notáveis e brilhantes de outrora perdurem. Se você vier para a Itália, piorou! Ô povo nacionalista! Aqui o legal é o “prodotto 100% italiano”, “il vino della Toscana”, “il latte del paese”. O “diferentão” deles são eles mesmos! Vai entender…

No meio de toda essa lamúria (e peço desculpas pelo abatimento literário), existe uma luz de bem-aventurança. A ventura - agora possível! - de enxergar o próprio buraco. A lei romana, personificada nos inúmeros reveses do cotidiano, me contando dia após dia… que eu sou ordinária. Que eu sou uma dos muitos na multidão. Speciale un cazzo. Eu sou corriqueira, habitual, até mesmo trivial! Como é difícil reconhecer. Mas como há ganhos!

Expatriar-se é rolar na lama do vizinho... porque na sua própria não se via bem a sujeira. Começo a entender por que não te amo, Roma. E talvez isso me ajude a te amar.

O orgulho e a vaidade são as maiores pragas humanas. Sempre acreditei. Mas nunca havia me sentido tão pertencente a essa calamidade.

Se quiser se aproximar do humus, venha para Roma. Ela te lembrará que da terra viemos e para ela voltaremos. Sem privilégios, tampouco honra ao mérito. No lugar da fartura, a bagatela. A testa no chão e a alma um pouquinho - mesmo que seja bem pouquinho - mais próxima ao céu.