giovedì 13 febbraio 2020

25. A metade cheia do café

A gente pede um cafezinho em qualquer bar romano e vem aquele disparate de 25mL de espresso na xícara de 50mL. Tudo bem que é um disparate maravilhoso, mas dá até tristeza de ver aquela metade de xícara vazia. Ou não? 


Você é a pessoa goodvibes que se deleita com o sabor divino do café fortíssimo (e escasso) italiano? Ou é a lamuriosa que se compraz em reclamar da ausência de abundância do líquido? Se você também ticou a segunda opção, benvenuto ao time! 

Estou há dois meses tentando escrever esse texto. Dois maledetto's meses! Psicanalistas diriam que é resistência. E eles estão certos.
É que me comprometi a fazer um texto elogioso da minha nova - nem mais tão nova assim - cidade. Decidi me enraizar em Roma, me exercitar ao pertencimento: pensei em estudar a história do império romano, comprar um dicionário de vocábulos do dialeto local, virar uma especialista da carbonara… mas achei tudo forçado. E então considerei que as metas pequenas poderiam ser muito mais genuínas e eficientes, daí a ideia do texto lisonjeiro para Roma. Ed eccomi qua, completamente despida de enciclopédias, mas apostando muito no meu novo olhar! No que vejo e no que dou a ver:

Cortei o cabelo radicalmente. Dei a ver os cachos! Já havia tentado a transição capilar duas vezes no Brasil e falhei em ambas. No país do progressiva (piastra brasiliana, como a chamam aqui) é difícil não se render à química. Crescemos ouvindo que cabelo crespo é cabelo ruim (reflitam sobre a escrotice desse termo) e os apelos são constantes para o alisamento. Lembro de todos os elogios que recebia quando aparecia com o cabelo chapado (em todos os sentidos!) Poveri cappelli… Pois bem. Aqui, desde que adotei o look cespuglio (arbusto em italiano) virei a sensação do momento. Meu marido decidiu que me ama dez vezes mais, as funcionárias da escola da minha rua se apaixonaram pelas minhas madeixas e a mãe das crianças que acompanho daria tudo para ter um mísero cacho. Os italianos amam o volume e, ainda mais importante, amam o natural. Cabelos devem ter vontade própria, seios não devem ser redimensionados sem motivo, dentes devem ser consertados apenas por saúde. Branqueamento, plásticas estéticas e alisamentos são coisas bastante bizarras para meus novos compatriotas e Deus os abençoe. Devo dizer que para um nariguda de peitos pequenos e “cabelo de arbusto”, eu não poderia estar em lugar melhor! Ponto pra Bota!

A comida aqui é maravilhosa, os vinhos são indecentes de bom e… (pausa para um agradecimento silencioso): A ÁGUA É ÓTIMA E GRATUITA! Só quem morou no ABC paulista e teve que pagar pela água e por seu controle de qualidade sabe da benção que é ter água delícia a custo zero. Caminho pelas ruas e tropeço em fontanas fresquinhas com uma das águas de melhor qualidade da Europa. Toda acessível, toda minha. Se isso não é democracia, eu não sei o que é. Ponto pra Bota!

As paisagens da Itália são versáteis e lindas de tirar o fôlego. Tem de tudo: das praias paradisíacas da costa sul aos alpes da fronteira suíça. Tudo isso passando por montes, vulcões, lagos, rios, florestas, jardins, castelos e cidades encantadoras e cheias de personalidade. 
Roma tem muita identidade! Seus monumentos resplandecem de história e reluzem à luz dos sol. Sim, porque aqui tem sol! Aliás, arrisco dizer que a Itália tenha uma dos melhores climas da Europa. Sua geografia mediterrânea proporciona inverno curtos e dias ensolarados no ano inteiro, inclusive no frio (que nem é tão frio assim). Esse ano eu ainda nem usei luvas! Ponto pra Bota!

Estou achando meu texto meio inútil. Nada do que foi dito aqui é novidade e poderia ser facilmente encontrado num guia de viagens. É que guardei o melhor pro final! Te contei que aqui é lindo, gostoso, que se come bem, que é ensolarado pra dedéu e agora te conto que os verões de Roma são calorosíssimos! Pode bater os 40 graus! É tipo o Rio de Janeiro só que melhor, porque aqui não tem… aqui não tem uma coisa muito horrorosa, muito perigosa e assustadora. Preparem-se, leitores meus… (prevejo uma grandessíssima imigração para a Itália após esse texto): aqui não tem BARATA! Sim, vou repetir porque essa é a melhor vantagem que encontrei em morar em Roma até agora: Apesar de fazer um calor do cão, de ser abafado, de rachar o coco, de ter mosquito e o pacote (quase) completo do verão, os deuses romanos se esqueceram de inventar a BARATA ROMANA! Juro!

Eu moro no primeiro andar de um predinho que parece mais casa do que apartamento. É tudo aberto, tem jardim, tem ralo e tem lixo (tem muito lixo aqui, tipo MUITO. Mas isso não é elogioso então esse assunto não pode ser desenvolvido nesse texto). Voltando: apesar da combinação perigosíssima de calor infernal + sujeira, por alguma razão mística e abençoada, as baratas não têm acesso a Roma. Seria a quantidade de gatos da cidade que as espanta? A grosseria dos romanos?(ops, não é elogio) Teriam sido mortas pelos gladiadores? Júlio César as expulsou há 2000 anos? Caros leitores, nunca saberemos. Na real, eu nem estou interessada em saber. Só sei que ganhou o ranking dos pontos positivos italianos desde o verão passado e a prioridade absoluta das minhas orações de agradecimento. Primeiro agradeço a ausência de baratas, depois a carbonara, depois a minha saúde. Deus me entende, não me julga. Talvez não o Deus brasileiro (porque ele também usa Raid!), mas os deuses romanos todos me entendem. Inclusive me prometeram que, se eu continuar me empenhando em não reclamar e em enxergar a metade cheia do ristretto, continuarei a dormir sem tensão e sem chinelo na mão na próxima estação.


Amém! E ponto pra Bota!