mercoledì 3 aprile 2019

7. Quando o próprio amor vacila

"Eu sei que atrás deste universo de aparências,
das diferenças todas,
a esperança é preservada.

Nas xícaras sujas de ontem
o café de cada manhã é servido.
Mas existe uma palavra que não suporto ouvir,
e dela não me conformo.

Eu acredito em tudo,
mas eu quero você agora.

Eu te amo pelas tuas faltas,
pelo teu corpo marcado,
pelas tuas cicatrizes,
pelas tuas loucuras todas, minha vida.

Eu amo as tuas mãos,
mesmo que por causa delas
eu não saiba o que fazer das minhas.

Amo teu jogo triste.

As tuas roupas sujas
é aqui em casa que eu lavo.

Eu amo a tua alegria.

Mesmo fora de si,
eu te amo pela tua essência.
Até pelo que você poderia ter sido,
se a maré das circunstâncias
não tivesse te banhado
nas águas do equívoco.

Eu te amo nas horas infernais
e na vida sem tempo, quando,
sozinha, bordo mais uma toalha
de fim de semana.

Eu te amo pelas crianças e futuras rugas.

Eu te amo pelas tuas ilusões perdidas
e pelos teus sonhos inúteis.

Amo teu sistema de vida e morte.

Eu te amo pelo que se repete
e que nunca é igual.

Eu te amo pelas tuas entradas,
saídas e bandeiras.

Eu te amo desde os teus pés
até o que te escapa.

Eu te amo de alma para alma.
E mais que as palavras,
ainda que seja através delas
que eu me defenda,
quando digo que te amo
mais que o silêncio dos momentos difíceis,
quando o próprio amor
vacila"


Esse poema é recitado por Maria Bethânia (não sei se é ela a autora) e obviamente me foi apresentado por aquela minha amiga visceral da crônica 4. Que dádiva ter pessoas assim ao redor!

Ao se despedir de mim, minha querida amiga me olhou nos olhos e desejou coragem, investimento, sensatez... coroou seu discurso pedindo que eu lesse em voz alta esse poema. Quase como um ritual sagrado de mulheres do mesmo clã. Uma iniciação ao matrimônio. Ela é a lacaniana mais junguiana que eu conheço! Só faltou abençoar meu útero... mas jamais faria isso! Falta muito banho de assento de camomila pra chegar no meu nível de bicho-grilice. Não precisa benzer meus ovários, amiga, seu poema já me abençoou da cabeça aos pés. Caiu como um bálsamo. Obrigada dal cuore.

Um dia antes, tinha ido instalar a webcam para a minha avó (sim, morram de amor!). Ela anda bastante emotiva e me contou que gostaria de deixar essa vida junto ao meu avô, pois "eles vivem um pelo outro" (sic) e não haveria sentido continuar vivendo sem esperá-lo para o jantar. São mais de 60 anos de casados e eles ainda caminham de mãos dadas. São décadas de convivência e ele não sai de casa sem beijá-la. São anos e mais anos sob o mesmo teto e ele continua a paquerá-la em italiano. Liga o dia inteiro para ela porque sente saudade e isso a apoquenta. Ele é teimoso até os ossos e isso a apoquenta. Eles se apoquentam. 
Mas se um vai dormir sem dar o beijo de boa noite, o outro faz bico; o bico mostra insatisfação e re-clama o beijo. 

Maria e Flavio Vertematte - com seu sobrenome italiano e cuja passionalidade portamos também eu e meu companheiro - seguem me ensinando o que é o casamento.
Os conselhos de minha avó foram sendo bordados junto aos panos de prato que ela me fez. Bethânia declama o que minha nonna patenteia. 

Não dá para largar tudo e cruzar o oceano se não for para amar também nos equívocos, nas rugas e cicatrizes. Não dá para topar uma vida a dois com tudo o que ela comporta se não for para topar apoquentar e ser apoquentado.  Não vale se casar se não for para amar até as horas infernais. Não vale escolher dividir a vida com alguém se não vamos escolher suportar o silêncio dos momentos difíceis... E ainda assim amar. Amar... amar é escolha. 

Hoje, terça-feira, cheguei a Roma. E cheguei também ao Amor. Que eu seja capaz de amar como eles... até quando o próprio amor vacila.




Flavio e Maria Vertematte, vulgo meus avós lindos

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