sabato 17 agosto 2019

20. Sobre distâncias

Roma localiza-se em uma posição geograficamente privilegiada; é uma cidade cosmopolita que tem toda a versatilidade da natureza a “meia horinha”: praia, campo, lago e o que você quiser imaginar. Apenas a neve poderia ser considerada um pouco mais inacessível. Ainda assim, em um pouco mais de uma hora os romanos têm acesso aos flocos mais poéticos do meio ambiente. Uma hora.

A maioria dos paulistanos, em apenas uma horinha, não chegam nem no trabalho. Em uma hora, os italianos vão e voltam.



Durante seis anos de faculdade, gastei três horas diárias em locomoção. Fosse privada ou publicamente, lá estava eu enlouquecendo de tédio e ansiedade em cima do Minhocão. Ônibus Perdizes, Metrô Linha Vermelha, Trem até o Brás. Bilhete Único no bolso e fé no coração: 1h30 para ir, 1h30 para voltar. Com sorte. De carro a situação não mudava e, para piorar, não dava para estudar. Se eu reclamava? Óbvio, aquela lamentaçãozinha típica rotineira paulistana, mas com a submissa resignação de que nada iria mudar. Afinal, todo mundo passa por isso... e Paula Toller - que é carioca, mas também sabe dos paranauê - me complementaria: “por que não eu?”

O Brasil tem 8.516.000 Km²; aqui a galera não tem medo da distância. Faz bate-volta para praia com sorriso largo, vale o esforço. 
Lembro-me da primeira vez que meu gringo veio me visitar no Brasil. Toda orgulhosa (paulista sente orgulho de Ubatuba), anunciei que iria apresentá-lo ao litoral norte de SP ou “paraíso na Terra”, como preferir. Tudo isso pelo simples preço de aproximadamente 5 horas de carro. Estava um transitinho mas não era feriado, então tudo estava sob controle. Em menos de seis horas conseguiríamos chegar até Paraty (que já é no Rio, mas o orgulho continua). Meu comunicado foi feito com entusiasmo, de modo que eu não conseguia compreender os olhos arregalados de desespero de meu futuro cônjuge:

“Cinque ore??? Ma sei scema?”*

Em seis horas ele vai de Roma até a Suíça, então ele devia mesmo estar me achando uma maluca completa. “Eu fiquei onze horas num avião para essa doente mental me aprisionar em um carro por mais seis horas?”. 
Felizmente, o amor triunfou. Ubatuba estava linda, como sempre.

O ponto fundamental é que o espanto de Andrea sempre me produz reflexões. Seus olhos perplexos me denunciam uma realidade a ser avaliada (lamentada? repensada?). Talvez eu não fosse desequilibrada por me estressar com o trânsito até a PUC… talvez nenhum ser humano fosse programado para suportar isso. Só que a dinâmica preestabelecida da classe média (e das outras também…) nos convenceu que sim.
Infatti, li recentemente uma pesquisa que afirmava que um dos fatores mais importantes para manter a saúde mental nas grandes metrópoles era trabalhar perto de casa. Meu companheiro assina tão embaixo que ele trabalha em casa. Beato lui.*

Sei sei. Isso não se aplica à realidade da maior parte dos brasileiros e não pretendo resolver a questão com essa crônica despretensiosa (embora eu recomende fortemente que, se você tem a mínima condição de diminuir os quilômetros, faça-o!), mas o meu convite é que a inspiração romana nos desafie a encurtar as distâncias do prazer.

A beleza bem que pode residir logo ao lado. Conheça seu bairro. Compre do pequeno, dos amigos artesãos. Acaricie os cachorros de rua. Conserte você mesmo. Se o restaurante é longe, faz o jantar romântico em casa mesmo. Plante uma árvore no seu lar, para não faltar Oxóssi quando não der para ir ao Ibira. Se Campos do Jordão virou hippie-chic mas o seu bolso não, leva o chocolate para derreter na casa dos brothers. Não precisa ir sempre na manicure, reúna as primas em casa. More perto de quem você ama. 

Sou hipócrita, não moro perto de todos que eu amo. Foi a parte que Roma me tirou da "meia horinha" de acesso. Nevrose incurável querer ter tudo... Mas o fim do ano com os amados já está na programação e será zero europeu. Adivinha para onde vamos? Sim sim, a galera escolheu Parati. Para mim. Para nós. Andrea já está se coçando e provavelmente baixando toda a discografia do Queen. Mas estamos felizes à beça. Paulista sabe bem, há amor também nas distâncias.


* Cinque ore? Ma sei scema?: Cinco horas? Você é louca?
* Beato lui: Sorte dele. Abençoado é ele.



Abril de 2018, Ubatuba

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