(No mês nacional de prevenção ao suicídio, ofereço a reflexão de minhas mortes possíveis. Nossas mortes constantes e superáveis a favor da vida!)
Meu último post tem mais de um mês, meu blog entrou em coma. Acaba de acordar e, aos poucos, retomamos as funções vitais. É preciso saber morrer.
Os Titãs que me perdoem. Pode ser muito útil e maneiro aprender que a rosa com espinho pode te arranhar ou desenvolver a capacidade de remover a pedra no caminho... Escolher entre o bem e o mal. Saber viver. Entretanto, sinto quase intuitivamente que essas tendem a ser competências adquiridas mais fácil e precocemente. Viver é inato. Ao nascer, vive-se. É inerente à condição de ser-aí-no-mundo.
Mas o morrer… ah, o morrer.
“Perdi” uma prima querida nesse período de coma do blog. Digo “perdi” pois não acredito em perdas humanas. Gosto de pensar em uma loira cacheada nadando e sorrindo à beça nos mares do Céu. É a cara dela. Quase ouço a risada…. e meu coração experimenta sensações indescritíveis de joia e pesar.
A morte nos traz isso. Ano passado, morreu um de meus amigos mais amados. Foi uma experiência extra-ordinária, inefável. Indizível. Na ocasião, uma amiga minha, ao me consolar, conseguiu dizer algo (pouco, mas algo) em meio a esse indizível todo: me desejou força e fé; e que eu aproveitasse a experiência, pois a morte nos trazia fenômenos únicos e incomparáveis. São efeitos que nada em Vida consegue oferecer. A morte porta milagres inéditos.
Graças aos deuses há lugares especialíssimos - dentro e fora de mim - para cada um dos amores que enterrei. Permito que descansem e renasçam como a Vida exigir.
E junto a eles enterro um pouco de mim. Também eu morri esse ano.
Mudar-se é extinguir-se. É deixar se esvair a existência antiga. É desconstruir a casa, desatar alguns laços, deixar ir pessoas, findar trabalhos. É morrer em mil e uma maneiras.
Deixei o Brasil no primeiro dia de abril. O outono - senhor sazonal proclamador das quedas - começava a dar as caras. Obrigava-me ao desapego dos cabelos, das peles e dos móveis. Em cada abraço de despedida ficava um pouco de minhas células, serpente mutante de epidermes que somos impelidos a ser.
Abandonei o hemisfério sul, mas o outono teimou em me acompanhar internamente. Ceifando tudo o que era folha seca, esse sacerdote da morte aniquilava expectativas ilusórias, caprichos infantis, apegos mesquinhos. Tive que deixá-lo exterminar as minhas vontades impossíveis, meus ideais neuróticos de cidade perfeita, minhas projeções (inocentes) de vida adulta, minhas promessas adolescentes de vida a dois.
Senhor Outono levou tão a sério a história do extermínio que me tirou 6 quilos, me roubou tapiocas e abacates, me escondeu minha própria língua! Um louco varrido varredor de tudo o que seca. Tome cuidado! Mas receba as bençãos…
Depois do aniquilamento vem o alívio e a limpeza das lentes. O milagre da visão sem a miopia pueril e antiga. Vem o amor real, o trabalho verídico, o casamento sem disfarces. O ideal é substituído pelo possível.
Amanhã, no meu país de origem, começa a primavera. Tenho apostado nessa Rinascita.
E, se aqui no hemisfério norte, o outono se obstinar a me seguir para uma “dobradinha anual” do declínio, va bene. Sono pronta.
Meu útero morre e renasce todo mês.
Meu couro descama.
Os budistas choram quando nasce uma criança e se rejubilam quando alguém se vai naturalmente.
Quintana já sabe que o importante é saber morrer… e continuar vivendo.
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