mercoledì 3 marzo 2021

31. Romaria

 É de sonho e de pó que se começa e se finisce a Romaria.

Cheguei já querendo partir. E Roma ria.

Mandando tudo e todos a quel paese. E Roma ia.

Só quem não (r)ia era eu… Eu permanecia e permaneci por dois anos… de Romaria.


Era carma ou acaso? Aquisição ou cilada? Era para treinar autovalidação ou aceitação radical?

Um dia, no auge do desespero, escrevi para uma amiga querida que já havia morado na Itália para pedir colo e socorro. Ela tinha bagagem cultural e tem Roma no nome… não tinha como dar errado. Muito sensível, minha amiga me acolheu e fez uma leitura intuitiva: “Li, eu sei que está muito sofrido, eu vejo muita dor. Mas Roma para você é um presente. Aceita, aprende, entrega… o percurso não dura muito. Só depende de você”. Ela me prometeu que o dependurado desviraria no tempo certo.


Quando a gente está no início da peregrinação, o graveto vira cajado. Agarrei as palavras da profetiza e me rendi: fui fazer hip hop com os romanos da periferia, natação na piscina comunal… meu auge foi arrastar meu marido para aula de danças folclóricas do sul da Itália (joga “Pizzica” no google e vê que lindeza!)

Empenhei-me um tiquinho na fonética correta italiana que, até então, eu só havia aprendido por imersão. Cantei em italiano. Ensinei italiano. 

Mas tudo isso foi só gracejo e lazer.


O bicho pegou mesmo foi na alma, não no corpo. Li cinco livros sobre o Império Romano, revi O Gladiador, chorei com a perseguição aos cristãos, me emocionei no Circo Massimo imaginando a matança aplaudida. Era a violência de Roma o que mais me interpelava.


Violência esta que não estava mais nas arenas, mas nas bocas das quitandas, na surra das crianças, nos crimes passionais.

 

O pulo do gato (um dos milhões do Largo di Torre Argentina) foi saltar da pizzica à CNV. A desenvoltura dos pés rápidos da tarantella não me interessava tanto quanto as curvas das línguas que mandavam affanculo.


Sem a minha Romaria, eu dificilmente teria ido estudar Comunicação Não-Violenta. No meio dos “Secondo me”, “Lo so io” e “Capisci niente”, descobri enfim as flexões de uma língua italiana que podia ser muito mais Gandhi e menos Nero. 


Sempre no caminho dos avessos, Roma - com toda a sua fúria - paradoxalmente foi a impetuosa senhora a me convidar à paz. 


Hoje eu sei que eu nunca detestei Roma. Compreendi que a minha raiva era a expressão trágica de todas as minhas necessidades que ela não conseguia atender. E eu a julgava… era o meu julgamento que produzia a cólera.


Roma, eu te honro por essa peregrinação. Aprendemos a nos olhar empaticamente e isso é um regalo daqueles que permanecem. Quero terminar nosso relacionamento da forma como (hoje) eu acredito que todos os relacionamentos inevitavelmente findáveis deveriam acabar. Sem culpa, vergonha ou medo. Sem violência. No final, nosso relacionamento não era abusivo. Você é magnífica. Eu sou esplêndida. 


Allo stesso tempo, definitivamente, somos incapazes de atender as necessidades uma da outra. Não sei te dar a energia e o vigor que me pedes. E em ti não encontro a calmaria e contentamento que almejo. 


Grazie infinite pelas estradas largas e tortuosas. Obrigada pelos avessos; pelo outro lado do mesmo pano que é o seu Amor. 

Nossa travessia è fatta


Ria Roma, rio eu. 


E assim… te deixo.



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