mercoledì 6 maggio 2020

30. A Insatisfação e o Sagrado

“O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia”

Alberto Caeiro é um gênio! Melhor que gênio, mentalmente saudável. Nesses versos, ele é espontaneamente bucólico e satisfeito e, como tal, não reproduz o sintoma da “grama do vizinho é mais verde”. Gente assim me deixa incrédula.

Meus caros! O Tejo é maravilhoso! É óbvio que é muito mais belo que o riozinho lá do povoado dele. Óbvio. E ele nega. E romantiza em cima. Gente assim me faz inveja.

Para Caeiro, a repetição cotidiana não rouba a sacralidade do seu lugar. Ao contrário. A persistência costumeira é o que, justamente, alimenta a sua paixão. Imagina só ser assim? Imagina só não sofrer de insatisfação histérica crônica? Caeiro, ensina-me!

Adoro um texto do Guruji, líder pacifista hindu, que afirma que a memória tem o poder de nos arrebatar a magia das coisas santas. Quem mora ao pé do Himalaia, na repetição rotineira da visão, para de considerá-lo sagrado. Deve ser parecido com quem mora ao lado do Ibirapuera ou do Muro das Lamentações. Deve ser parecido com comemorar Natal todo dia. Ou comer moyashi todo dia. Deve ser parecido com relação longa. Deve ser, deve ser, deve ser... A memória se insatisfaz. 

Depois de mais de dois meses enclausurada em casa, Roma - que nunca foi santa para mim - inicia a dar sinais de sacralidade. É que minha memória cansou de santificar o lar e começou a querer dar voltinhas na Vila Borghese, visitar a Basílica de São Paulo, passear às margens do Tibre. É animador. Só temo que esse encanto dure… duas semanas? Insatisfação histérica não é brincadeira.

Freud que me desculpe, mas ultimamente estou apelando para as respostas prontas… Eu e Cazuza pagamos a conta da analista, não queremos saber quem somos. Quero receita.

O guru diz ainda que não haveria nada no mundo capaz de nos trazer tanta satisfação quanto um ato sagrado. O santificado quebra a inércia habitual. A mudança do objeto - do parque, do homem, da CIDADE - só produziria mais insatisfação. (Novidade para alguém?) O único antídoto real contra a enfadada memória seria o sadhana, a prática espiritual. Da forma como compreendo o conceito seria - através de meditações, rezas, asanas, mantras e cia limitada - desenvolver a intencional busca de sentido e veneração nas coisas, lugares, pessoas e situações. Ver propositadamente a divindade em tudo. O paradoxo maneiríssimo é que, do mesmo modo como a repetição da mente fatigada teria o poder de apagar as belezas, a sua reprodução com devoção poderia ressuscitar a graça que um dia lá esteve (ou até a que nunca esteve? Espero que sim).

Anteontem, dia 4 de maio, começou a paulatina reabertura da Itália. As lembranças voltarão a circular. Quero resgatar a formosura romana. Mentira. Só se resgata o que já foi. No meu caso, quero fazê-la germinar ali, onde nunca existiu divindade para mim. 

Vou toda trabalhada no sadhana, depois de dois meses de retiro forçado. Vou com a aposta na Ciência, a fé em Krishna e a proteção resignada de Alberto Caeiro. Vou lá santificar o Tej… ops, o Tibre!



Rio Tibre, Roma. Foto do Pinterest.

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