domenica 5 aprile 2020

29. Primeiro de abril


No dia da mentira, fez um ano que eu vim para cá. Escolha inconsciente de uma data que, ao existir, cruza os dedos nas costas e sorri? Te engana e faz tudo de brincadeira, de mentirinha. O que me deu na cabeça para deixar o Brasil logo no primeiro de abril? (Rimou!)


Sabe, o expatriado que ama o país de origem parte querendo ficar. Sabe por que parte e suas razões podem ser as mais legítimas. Ainda assim, é inconcebível que a autenticidade da partida possa anular o desejo de permanecer. Então eu parti, de verdade, mas de brincadeirinha.

Meu tipo de migração é aquela que quer encontrar a aventura da terra nova amalgamada ao conforto do lar. Quer provar as especiarias locais e reclama pelo dendê. Deseja aprender língua gringa e chora em português. Vai no fado no bairro Chiado em Lisboa e bebe caipirinha. Quer imersão na cultura mas, quando dá por si, está na feijoada carioca (seja em Londres, em Bali ou no Peru). Brasileiro é um bicho engraçado. É um bicho gostoso.

Eu tô é achando que foi muito justo me proteger de tanta saudade vindo em primeiro de abril. Pelo menos, alguma parte do meu cérebro deve ter ficado na dúvida. Algum órgão do meu corpo deve ter alimentado esperança de Guaraná. Algum caju deve ter ficado me esperando na fruteira da ex casa. Saí à francesa.

E cheguei à romana.

Atropelada, caótica, reclamona… Gritando e espantando os pedestres. Quem chega em Roma não consegue chegar de fininho. Aqui não tem nada fininho. Só a pizza! A estrada, a gente… não. Nem a fineza aqui é fina!

O problema de partir à francesa é que não nos despedimos de nós mesmos. 

“Caiu! É primeiro de abril!”

O problema é que o calendário gira, o abril muda e a gente fica esperando a risada aliviada do destino que acompanha o gracejo:

“Brincadeira! É primeiro de abril!”

O problema de partir à francesa é que vem só a mentirinha e ninguém vem desfazê-la para te abrandar. O fuxico só faz rir se desmentido. Alguém vem me desmentir?

Talvez um ano seja muito para ficar esperando a segunda parte da piada. Talvez eu tenha errado o gênero do filme… Não era comédia, então?

O que acontece quando a piada não faz rir? Alguém rouba a cena e introduz um outro elemento! É essa a regra máxima dos teatros de improvisação! Nunca usar a rejeição do ato. Não negar o que foi dito pelo colega. Embarque na fábula (mesmo absurda, mesma maçante) e desenvolva-a.

Se um ator diz: 

“Então venha comigo passear no meu hipopótamo alado””

O próximo artista pode tudo em sua fala, exceto negar a veracidade do já ocorrido:

“Mas hipopótamos não voam” ou “Você não tem um hipopótamo” seriam respostas completamente disfuncionais no teatro de improvisação, pois negam o fato e, como eles dizem, “matam a cena”.

Você pode até ter horror a hipopótamos ou medo de voar. Pode gritar, estrangulá-lo, xingar o outro ator… vai fundo! Mas não pode negá-los. Não mate a cena. Matar a cena acaba com a peça.

Pergunto-me se não tenho matado a cena desde que cheguei em Roma. Não gosto da capital desde o primeiro instante e sigo matando seus hipopótamos, carros, rios e pessoas cidade afora. Há um ano.

Nenhuma improvisação pode ser fecunda na rejeição do ato. Nenhum teatro que negue a cena será divertido. Por que, então, a minha vida cênica haveria de ser?

Um ano, Roma. Um ano. Passou da hora de pararmos de negar uma a outra. A aceitação (e por que não, o amor?) talvez nasçam desse possível confronto. Confronto esse oriundo de um improviso mais acessível, mais real. Menos à francesa. Mais à romana.

Aqui começa minha segunda primavera. Que a vida seja abundante. Não quero mais matar nada. Talvez vocês me vejam voando de elefante por aí… aterrando quiçá no Pantheon.






1 commento: