martedì 26 marzo 2019

6. Me leve por onde flor

Esse post é sobre trabalho. Mas é ainda mais sobre Amor.

No último sábado encerrei meus atendimentos. Foram mais de 6 anos de consultório e mais de 60 pacientes que passaram por minha poltrona e meu divã. Mais de 60 vidas impactadas pela minha escuta e minha palavra. E, ainda mais importante, mais de 60 histórias impactando a minha prática clínica e o meu coração. Dezenas de biografias riquíssimas e verdadeiras trocas (por mais que eles nem imaginem) que levo no peito, nas preces, na bagagem.

Um fim de análise “forçado” por contingências geográficas e pela escolha matrimonial da analista tem efeitos. Gosto de pensar que essa imposição precipita as questões dos pacientes. Não criei nada novo - baita viagem egocêntrica pensar que eu teria esse poder - mas a minha decisão foi agente catalisador do que sempre esteve ali:

Quem se viu paralisado pelo prenúncio de abandono, fez questão de interromper antes e me abandonar primeiro. Quem sentia-se em culpa por traições, encontrou dificuldade de ser encaminhado… afinal, ir com outra seria me trair. Quem vivia sua vida na rígida ilusão do “tudo sob controle”, se viu importunado pela minha mudança de rota fazendo com que seus planos “saíssem do script” e tiveram que se haver com isso. Será que estamos mesmo no controle? Poderia passar a tarde escrevendo… porque eles me fascinam.

Meus pacientes fizeram percursos interessantíssimos. Lindos! Cada um com sua lente.

Victor, 9 anos, chegou há 2 anos com queixa de angústias frente à morte e passou sua última sessão desenhando uma fênix que, segundo ele, era o símbolo da mitologia egípcia para a possibilidade de continuar vivendo após as cinzas. Renascer depois dos fins da queimadura final. Desenhamos ainda as quatro estações, as quatro fases da lua e sorrimos com a beleza da Natureza em nos pintar a morte de modo tão poético, orgânico e otimista. Victor não tem mais ataques de ansiedade.

Mel, 22 anos, passou a anunciar meses antes da minha partida o quanto seria difícil encerrar as sessões Ela é uma moça nostálgica que se auto declara “em dificuldades com lutos e despedidas” (me pergunto quem não é), esperneia com perdas (quem nunca?) e tem batido a cabeça com as imposições da vida que a arrebatam sem que possa escolher: é que os últimos anos a tem surpreendido com o incontornável das mortes, diluições, términos… de modo que a ida da analista é só a cerejinha no bolo dos anos de privações. Acontece que, em meio ao sofrimento da última sessão, a associação livre a levou à mitologia grega (meus pacientes estão muito junguianos essa semana!). Mel revela que adora Hades e Perséfones, os deuses do submundo e que sempre os considerou injustiçados pelas demais deidades do Olimpo. “Ele era excluído apenas por fazer o seu trabalho. Seu serviço era a morte e dela se ocupava. O que há de mal nisso? Alguém precisava fazer esse trabalho”. E Perséfone deve trazer o inverno, matar as plantas e refazer a agricultura para a próxima primavera. Deixo as interpretações com vocês… conto só que, entre lágrimas, ela se foi em paz e com fé em Hades.

E tem Joana, 12 anos. Em terapia desde os 9. Esse doce de menina lamentava-se inicialmente da timidez e dos episódios de ansiedade que aprendeu a relacionar com seu perfeccionismo. Tanta necessidade de ser correta a enrijecia da cabeça aos pés… o cortisol explodia na perda da fala em ambientes públicos, no medo de errar e na taquicardia. Começamos a falar sobre esse temor, a respirar, a bordar. O bordado lhe deu borda. Quando se sentia aflita, pegava o bastidor, as linhas e a agulha. Seu último trabalho foi o balão colorido da animação “Up!”. A danadinha alçou voo! Com muito entusiamo, começou a me contar que estava mais leve, que o “dia da prova nem parecia dia de prova” e que as atividades orais em sala não eram mais um pesadelo. Agora ela topa não tirar apenas 10; descobriu que o 7 e o 8 podem ser muito salutares (às vezes mais que o 10!) e me deu de presente na nossa última semana essa obra de arte confeccionada inteiramente por ela:





Ao entregá-lo, se divertiu contando que tentou lavar o pano mas “a caneta do esboço não saiu”, de modo que teria que dar-me-lo (adoro mesóclise!) “assim imperfeito”. Digo a ela que é uma imperfeição adorável e libertadora! Me fará lembrar sempre do quanto ela pode se permitir… do quanto pode aceitar que as coisas não estejam mais no seu comando inflexível. Inclusive a interrupção de sua terapia (que ela desejaria “fazer para sempre”) pode findar deixando-a saudavelmente incompleta e (im)perfeita.

Os seres humanos são maravilhosos. Meus pacientes são maravilhosos. Infelizmente, tive que me restringir a três vinhetas, pois a grandeza e a fertilidade de suas trajetórias me requereriam páginas e mais páginas.

Em uma semana chego na Itália. A imperfeição radiante de Joaninha virá na mala, se fixará à parede e me lembrará da leveza dos fins. Levo todas essas vidas por onde for e onde flor. Pois a vida está onde floresce. E onde houver morte - não se aflija - lá também há potência. É apenas o deus Hades fazendo o seu trabalho.

* nomes fictícios para preservar o sigilo da identidade dos pacientes

4 commenti:

  1. Que texto maravilhoso, amiga, você tem um poder muito lindo de afetar quem te lê. Obrigada muitas vezes! Beijos e até logo. Lenara.

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    1. Obrigada amuga querida! Delícia te ter como leitora!e a presto!!

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  2. Lendo pela segunda vez e me emocionando novamente... Você é uma pessoa incrivelmente incrível! (e um detalhe curioso... enquanto escrevo isso, você - as well as your cats - estão voando!).
    É como eu sempre digo: Life is crazy!!! ❤️

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    1. amada!!! acabei de ver seu comentário! só agora! quanto amor e saudade de vc!

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