martedì 19 marzo 2019

5. Os italianos falam

Os italianos falam. São trocentos dialetos*, além do idioma oficial, falados em um pequeno território (a Itália é menor que o Maranhão). Fora as gírias, fora as variantes - alguns sites me apontaram 11.000 variantes do italiano!! 11 fucking mil diferentes línguas! E segundo consta, 60% da população usa estritamente ou alterna com o italiano fiorentino (escolhido como oficial na Unificação da Itália no século XIX) os seu dialetos locais.


Historiadores dirão que a riqueza da língua de Dante se dá pela divisão e colonização do país por outros povos após a queda do Império Romano. Ok, acredito nos historiadores. Mas a mim fascina o fato de a pluralidade da língua ser mais um elemento de sustentação do argumento desta crônica: eles falam pra burro. Com a boca, com a mão, com as duas mãos, com o cotovelo, com os olhos… quase quero ser uma youtuber (só agora) para fazer um vídeo de todos os gestos hilários que descobri no último ano. Tenho um preferido: quando as crianças querem dizer que uma comida é gostosa, elas parafusam a bochecha com o dedo indicador*. É fofo e bizarro ao mesmo tempo. Amo. Quero ter um filho italiano só para ele parafusar a bochecha em reverência ao meu brigadeiro.


Para além do falar, esconde-se algo bem mais profundo: os italianos falam as coisas. Sim, as coisas. Essas que a gente tem dificuldade de falar. Essas que machucam (nós e/ou os outros). Essas que dá vergonha de dizer. Eles falam. 

Olhando para atrás, não me espanto de uma das primeiras palavras que aprendi com meu atual marido ter sido: permalosa. Até hoje nutro ranço por essa palavra. Sua significação? Melindrosa. É lógico que odeio essa palavra até hoje! Andrea havia jogado na minha cara, tal qual um psicólogo precipitado, toda a verdade à qual eu ainda não tinha acesso e nem condições emocionais de aceder. Fiquei feroz. Descobri que era melindrosa e não era pouco não.

“Non mi piace.” “Non sono d’accordo”. “Stai sbagliando”*. Entre brigas e choros (que marcaram praticamente o primeiro semestre inteiro do nosso namoro - somos masoquistas ou nos amamos muito?) eu experimentei um misto de ódio, inveja e tesão por aquela capacidade natural de crítica. Como alguém consegue ser tão objetivo para dizer do que lhe desagrada? Ele é escroto ou isso aí é auto-amor? 

Fui para Roma: mesmo fenômeno! O roomate de meu namorado (pessoa queridíssima, adoro) me corrigia de prontidão quando não gostava de algo que eu fazia (lembrem que eu havia acabado de conhecer esse cara. No Brasil ele seria um grandíssimo sem noção). Minha sogra também: me adotou como filha e já a amei desde o primeiro dia. Entretanto, era e é direta e reta para desaprovações: “o chá tá fraco”, “o jeito de lavar a roupa tá errado”, “quem fez isso?”. Eu tinha feito… e ela sabia.

Para um ser humano neurótico como eu de tipologia agradável-fofinha-não-quero-te-magoar (e por favor não me magoe também!), os habitantes da bota eram deuses supremos da palavra, reis das vozes e das notícias (fossem elas boas ou más). Eu me indagava de onde viria tamanha… não consigo dizer virtude porque PQP, eles conseguem ser rudes como verdadeiros selvagens… mas havia admiração ali. Era o típico “credo, que delícia”. Como eu faria para beber só um pouquinho daquele elixir de sinceridade e objetividade? Seria alguma herança genética ou simbólica dos gladiadores romanos?

Não era. Encontrei um primo, na semana passada, que morou quatro anos em Turim, no norte da Itália. Conversa vai, conversa vem, chegamos à minha pauta. Meu primo é um lord; um brasileiro gentilíssimo. E saber de sua natureza cortês me deixou duplamente chocada quando ele me confessou entre risos: “Voltei um animal da Itália!” Percebi que éramos dois: rimos feito hienas enquanto ele me confidenciava que 4 anos de trabalho em Torino o haviam transformado em um funcionário sem noção com discurso afiado e sem papas na língua. A certo ponto os colegas precisaram lhe chamar a atenção: “Cara, segura a onda”. 

BINGO! A amostra de sujeitos de minha pesquisa havia aumentado naquele exato momento. Segurar a onda? Qual onda? A onda de grosseria italiana ou o tsunami de melindre americano? 

Meu gringo defenderia que somos drama queens. Para Andrea, “vocês americanos são cheios de sorrisos, como se estivesse tudo bem, para depois adoecerem…” mas calma! Não nos apressemos em concluir nenhum estereótipo…

Não posso refutar a teoria - endossada por Hollywood - que aqui tudo acaba em pizza (ou em beijo de felizes-para-sempre em algum lugar da Califórnia). Por outro lado, não disfarço que me farto de orgulho do nosso riso fácil, da simpatia do brasileiro, da cultura de querer criar crianças educadas. Acho lisonjeante valorizar a boa-educação e os licenças, obrigados, por favores (e nessa fila, muitos italianos não passaram - que medo de traduzir esse texto!) Desculpem, meus futuros irmãos de Pátria, mas que atire a primeira pedra quem nunca tomou um coice itálico! 

O ponto que me seduz é justamente encontrar essa clivagem: como desmembrar a íntegra e digna honestidade italiana dessa indelicadeza que a acompanha? Ou então, como desanexar a nossa amabilidade do ressentimento que chega como subproduto?

Honestamente (estou aprendendo!), eu não sei. Sei apenas que eu terei uma grande tarefa educacional: quero criar filhos que - além de parafusar a bochecha - tenham uma fala genuína e se sintam livres para se expressar sem medos excessivos de ferir o outro. Mas ai de quem não disser “grazie”, “scusa” ou “per favore” com um largo sorriso alla brasiliana. Vai tomar coice. 

Complexo de sinceridade? Deus me livre, mas quem me dera.


* trocentos dialetos: não encontrei o número exato. Os sites de estudo das línguas italianas são inconclusivos, mas as variantes giram em torno de dez mil;
* gestos italianos: para a parafusada infantil, assistir 43' do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=rVR9cZ4tii0
* non mi piace/ non sono d'accordo/ stai sbagliando: não gosto disso/ não concordo/ você está errado(a)






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