lunedì 15 aprile 2019

8. Como assim você não sabe?

Hoje faz exatamente duas semanas que cheguei a Roma. E faz igualmente duas semanas que não escrevo. Não escrevi porque não consegui… Não foi falta de tempo não, acho balela quem joga a culpa no coitado do Cronos. Eu não escrevi porque não sabia o que dizer. Quis escrever sobre tanta coisa: sobre a multa de 100 euros que consegui tomar em menos de 10 dias; sobre meu marido que quase foi expulso pela Guarda do Vaticano (morram de curiosidade, essa vai ficar para um próximo texto); sobre o laço materno e a quantidade de lágrimas que verti para me despedir da minha mãe… sobre tanto! Mas em meio a tanta novidade e intensidade… eu simplesmente não soube. E não escrevi.


Mas, vejam bem, não foi assim tão tranquilo como descrito no parágrafo anterior. Minha decisão de greve literária não veio sem exigências e imposições superegóicas. A maior delas e que me acompanha desde a infância foi e é a maldita a seguir: “Como assim você não sabe?”

Fiz ballet clássico dos 8 aos 25 anos e me lembro de minha professora - tão maravilhosa quanto severa - perguntar a mim e a minhas colegas frequentemente a tenebrosa frase: “Como assim você ainda não sabe?” 

Acontece que o mundo do ballet é duro para caçamba. Perdeu o ensaio? Se vira. Não decorou a coreografia? Já tinha que saber. Está com o pé sangrando? Sorri.

A urgência pelo ideal é tanta que perde-se o respeito ao ritmo e aos processos. A recomendação é implícita: se possível, salte todas as etapas e chegue logo à perfeição; de preferência, sem correções e sem delongas. Aos 35 você já está velha e seu joelho consumido pela condromalacia. Então corra!

Houve ainda o ensino médio com o sistema Anglo coroado por seu slogan nada inclusivo “aula dada, aula estudada”. Não entendeu? Que pena, já passamos para a próxima lição. Orgulho para a escola era os alunos passarem na Fuvest em Medicina no primeiro ano como treineiros. Pressa, pressa, corre! Quanto antes, melhor! “Como assim você ainda não sabe o que vai prestar?”

Percorrendo esse avesso biográfico, não me parece assim tão imprevisível que eu tenha sido acometida por um quadro grave de ansiedade aos vinte anos, findando em um consultório psiquiátrico e afundada em Rivotril.

Hoje, com a perspectiva abençoada de 10 anos de futuro (e desintoxicada do ansiolítico!), gostaria muito de perguntar a meus mestres com síndrome-de-coelho-branco-da-Alice: Caros, para que tanta pressa? 

O pivete treineiro vai passar em Medicina à toa, minha gente! Ele não vai poder cursar a USP aos 14 anos. E o coleguinha dele vai fazer Engenharia só porque a família acha bacana “passar direto” sem cursinho… o cara talvez odeie Exatas. Então eu repito: Para que a pressa? Por que a antecipação?


Ano passado, tomei uma bronca bem-humorada do meu companheiro porque cheguei em casa em dezembro com uma caixinha de morangos. Andrea gargalhando e acostumado com meu excesso de urbanismo me interroga: Ma che c’entra? Non è la stagione delle fragole!* Amore mio, no Brasil tem morango o ano inteiro! Se a Mãe Natureza não faz, a gente forja! Espertos né? Na verdade, nem tanto. Assim como os professores ansiosos do Anglo, forçar a natureza a produzir no inverno um fruto primaveril pode ser nocivo. Para nós mesmos.

Compreendi com os italianos que a Natureza nos dá uma aula constante sobre cadência, compasso, ciclos: ela nos dá laranjas antes do inverno para nos proteger dos resfriados nos enchendo de vitamina C. E nos dá as frutas secas no inverno para fazer uma reserva de gordura para atravessarmos o frio (fica fácil deduzir que comer toda essa gordura no verão vai nos fazer mal). Isso sem contar que, aqui na Itália, os produtos fora da época custam o dobro! Ninguém quer isso. 

O camponês italiano tá dando um baile nos meus professores de dança. E no Diretor do Anglo. E em mim!

E aí, impregnada de hortas europeias, eu finalmente consigo responder para o meu superego que se o morango (em dezembro) ainda não sabe o que vai ser quando crescer (em maio), talvez seja tudo bem eu não saber sobre o que escrever na minha primeira semana de mudança.

Talvez seja tudo bem eu ainda não saber onde vou trabalhar aqui na Europa. 
Está tudo bem você ainda não saber se quer ter filhos, se faz uma especialização ou se viaja para o Zimbabwe. Se está no seu ritmo, está tudo bem.

E lendo esta última frase me vem um pouco de vergonha, porque esse texto ficou com um tom meio auto-ajuda, então perdoem-me! Tá breguinha, mas eu precisei disso! Mudar de país precipita “não-saberes” e eu não necessito de uma dose extra de ansiedade. E escrever acolhe. Pois bem, se alguém me questionar sobre meus conhecimentos e pretensões no Velho Mundo, responderei um delicioso “não, não sei!”. Será um feliz e apropriado “não sei, ainda não!”.

Ainda não sei onde pode estacionar em Roma (nem eles, diga-se de passagem). Ainda não sei conjugar o verbo “soccombere”. Ainda não sei quando o Ministério vai decidir equivaler meu diploma. Ainda não sei os frutos da estação. Não sei. Me deixem! Sou um morango em dezembro e quero Respirar. Não quero Rivotril. Quero Respirar. Não quero Rivotril. Quero o Rio Tibre. Não quero Refletir. Quero rimar, rir, relinchar, rodopiar. Não quero Rivotril. Quero Roma e seus rabiscos, ritos e reflexos.


*Ma che c’entra? Non è la stagione delle fragole!: O que tem a ver? Não é a estação dos morangos!






3 commenti:

  1. "Nao sei, posso pensar?" Mestra amiga. Agradeço um mundo a você pelas palavras lidas e trocadas!

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    1. amada amiga de pressas e neuroses! quanto me faz bem te ouvir e ser lida por vc!

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  2. não sabemos como estacionar?!?!?!?!?!?
    .......è verdade! hahahahahahaha
    somos artistas de rua XD

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