martedì 23 aprile 2019

9. Ué, meus textos não se traduzem

Andei frustrada. É que meus textos não se traduzem… A cada revisão da versão italiana, eu suspirava profundo com o coração desiludido: meu marido não entendia minhas piadas, queria mudar minhas frases porque não funcionavam em italiano… Certa vez, sugeriu uma tradução de “arrasou” para “hai fatto bene”. Tá me tirando? Sem contar a parte cultural: Quem é Guimarães Rosa? Bethânia? Vestibular?


“Vestibular” não é alguém. E talvez nem eu seja... imersa nesse cazzo de interlocutores que não me compreendem. O que é um ser humano sem linguagem?



Sei o que o caro leitor está pensando. Meus textos não se traduzem porque eu sou uma porcaria de tradutora. È vero. Tem também esse aspecto. Não domino completamente a língua como é exigido aos bons tradutores - aliás, toda a minha admiração por essa profissão que fomenta a democracia da informação - porque eu não estou fomentando nada. Apenas tretinhas noturnas no meu casamento. Real oficial. Tivemos uma discussão colossal porque Andrea insistia que “saudade” e “mi manchi” eram a mesma coisa (podem linchá-lo, eu deixo). Não, não linchem. Na verdade, não é teimosia e nacionalismo (aqui em casa não entra ninguém que aplauda Mussolini). Há de fato um furo linguístico-existencial. Dá para explicar o que é saudade para alguém que não tenha minimamente suas raízes entrelaçadas ao lirismo lusitano?

Estava quase aceitando a minha incapacidade de transladação idiomática e terceirizando a tarefa de tradução dos textos quando lembrei de uma cena engraçada. Meses atrás rolou uma discussão em um grupo de whatsapp da minha mãe. A sogra dela mandou uma foto toda fofinha sob o sol de Pisa com a seguinte legenda: Quarando no sol da Toscana.

É partida a discussão no chat: quarar? Que verbo é esse? 

Teve gente que achou que a senhorinha tinha inventado; gente que só identificou por causa das roupas do Alceu Valença no varal, teve gente tipo caviar: nunca viu nem comeu, só ouviu falar. E teve a resposta TOP ONE no meu ranking que transcrevo de memória:

“Nossa! Minha vó deixava as roupas quarando na grama, daí a aranha passava em cima e a gente pegava uns cobreiro que só curava com benzedeira.”

Vos convido a apresentar a frase acima para qualquer gringo que domine a língua portuguesa. Boa sorte, gringo.

O gringo, por mais foda que seja em português, não vai sacar. Não vai sentir coceira psicológica ao pensar no cobreiro, nem vai imediatamente projetar em seu cérebro a imagem de uma senhora benzedeira. Simplesmente não dá. E que bom! Porque justamente aí reside toda a beleza da nossa brasilidade!

Vai explicar o que é um cafuné, um cafofo, um xodó. Vai convidar o europeu para jogar futevôlei. Depois diz que ele arrasou e leva num restaurante que é um desbunde. Come tapioca com farofa e termina a noite chamando de lindeza que é para conquistar.

Até a bicharada entra em crise. O cachorro aqui faz “bau”. Irmãos de terras tupiniquins, vocês já ouviram algum cão brasileiro emitir o som “bau”??

Fora as interjeições! Toda vez que eu digo “ixi” meu amor acha que sou uma balão com escape. Já quis inclusive procurar “eita” no dicionário e acha positivamente informal chamar Deus de “mano do Céu”.

Conclusão da ópera: eu não posso traduzir. Se traduzir é coletivizar a informação, não traduzir é um ato de amor. Recuso-me a trair minha madrelingua com essas traduções capengas. A saudade - que não é mancare - exige que eu traga comigo as vísceras do meu lar. Fernando Pessoa já dizia que a língua portuguesa era sua pátria. Eu compartilho de cada vocábulo do mestre luso. Sinto muito, agora só vai ter crônica na língua de Camões.

Por que?

Uai, diacho, porque meus textos não se traduzem.


*Para compensar a falta de traduções (e continuar praticando escrita em italiano) escreverei textos inéditos na língua de Dante para o público que lê em italiano.




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