domenica 7 luglio 2019

18. Humus goela abaixo

“Os romanos lançavam mão de vários vocábulos para designar a terra ou o solo: tellus, terra, humus, solum. O primeiro chegou até nós apenas por via erudita, através do adjetivo telúrico, enquanto o terceiro deu origem a húmus (com a variante humo), De humus provém o adjetivo humĭlis, que designava, em latim, tudo o que estivesse perto do solo ou, por extensão de sentido, tudo o que tivesse pouca altura. Servia para qualificar pessoas, animais, plantas e qualquer objeto. (...)

Já em latim clássico apresentava humilis vários sentidos figurados («de baixa condição, obscuro», «que tem sentimentos baixos», «abatido», «desanimado», «pouco importante, fraco»), mas só com os autores cristãos é que assumiu também o significado de «humilde por virtude», passando a designar igualmente aquele que, de forma mais ou menos manifesta, reconhece as suas limitações.”*

Não me assombra que sejam justamente os romanos a nos rebaixarem à terra - humus - para que reconheçamos os nossos entraves. Apanhei em três meses o que não havia feito em três décadas. Talvez você se reconheça: paulista, branca, privilegiada, classe média-alta, colégio particular, mensalidade cara de ballet, Cel Lep (também uma bica), empregada doméstica em casa. Tudo balizado para nutrir, para suprir, para repor, para agregar. Não me queixo. Anzi, agradeço todas as nossas noites a Deus, a todos os Orixás e à minha família pela bênção das oportunidades, da fartura, do conforto.

Mimada eu não diria… minha mãe sempre foi braba pra danar e meu pai disciplinador. E tenho um irmão que me abraçava e me dava socos na mesma medida. Me foi ensinado esperar, valorizar, doar, agradecer. Sou profundamente grata.

Mas caspita! A fartura estava lá. Sou privilegiada. E talvez vocês - ou pelo menos a maioria dos meus leitores - também sejam. Somos privilegiados. E o privilégio ensina pouco.

Fui pro Google:

privilégio

⊙ ETIM lat. privilegĭum,ĭi 'lei excepcional concernente a um particular ou a poucas pessoas; privilégio, favor, graça'

Ecco! O privilégio concerne a um particular, ao singular e incomum. O EXTRAaordinário! Ser privilegiado na sociedade nos faz sentir especiais. Diferentões. É uma ego trip de dar vergonha. E eu caí nessa! Tô com vergonha… mas tudo bem, muita gente cai. É a história cliché de não conseguir trocar o “Por que isso aconteceu comigo?” 

por

“Por que não comigo?”


Não sou especial. Nem você.

A Olimpíada de língua portuguesa me enganou! Me deu medalha e me chamou de especial. O lugar de solista na coreografia também… que tirano! Me senti a única a desempenhar aquele papel. O Curriculum nem se fala: a grana investida por meus amados genitores deu frutos de modo que trabalho - no Brasil - nunca me faltasse.

No Brasil.

Acontece que sair da sua terra - humus - e se alojar no solo do outro te aproxima ainda mais do chão. O teu lugar privilegiado ao sol não está mais garantido… no máximo um aquecedor xexelento no inverno se você puder pagar (com euro a 4,3. Boa sorte).

No estrangeiro, nossas características distintas e favorecidas se perdem na multidão dos imigrantes. Uma multidão de iguais. Desencana de ser diferentão. Não está afiançado que, nesta outra terra, os seus atributos notáveis e brilhantes de outrora perdurem. Se você vier para a Itália, piorou! Ô povo nacionalista! Aqui o legal é o “prodotto 100% italiano”, “il vino della Toscana”, “il latte del paese”. O “diferentão” deles são eles mesmos! Vai entender…

No meio de toda essa lamúria (e peço desculpas pelo abatimento literário), existe uma luz de bem-aventurança. A ventura - agora possível! - de enxergar o próprio buraco. A lei romana, personificada nos inúmeros reveses do cotidiano, me contando dia após dia… que eu sou ordinária. Que eu sou uma dos muitos na multidão. Speciale un cazzo. Eu sou corriqueira, habitual, até mesmo trivial! Como é difícil reconhecer. Mas como há ganhos!

Expatriar-se é rolar na lama do vizinho... porque na sua própria não se via bem a sujeira. Começo a entender por que não te amo, Roma. E talvez isso me ajude a te amar.

O orgulho e a vaidade são as maiores pragas humanas. Sempre acreditei. Mas nunca havia me sentido tão pertencente a essa calamidade.

Se quiser se aproximar do humus, venha para Roma. Ela te lembrará que da terra viemos e para ela voltaremos. Sem privilégios, tampouco honra ao mérito. No lugar da fartura, a bagatela. A testa no chão e a alma um pouquinho - mesmo que seja bem pouquinho - mais próxima ao céu.




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