(Para Nathalia)
Mesmo antes da China e da crise ficarem tão faladas, já se dizia que, em chinês, a palavra “crise” correspondia ao caractere weiji e que significava tanto “perigo” como “oportunidade”. Dando uma pesquisada mais profunda, descobri que essa definição bonitinha é um tanto falaciosa. O termo, verdadeiramente, quer dizer “crise; situação de perigo; momento precário”. E é apenas a justaposição de “ji” com outros caracteres que produziria o sentido de “chance, ocasião, oportunidade”. Pareceu-me bem OPORTUNO para os tempos atuais. O vírus nos traz, com a crise, a apreensão e o risco emergente; criar a oportunidade é por nossa conta...
Mesmo antes da China e da crise ficarem tão faladas, já se dizia que, em chinês, a palavra “crise” correspondia ao caractere weiji e que significava tanto “perigo” como “oportunidade”. Dando uma pesquisada mais profunda, descobri que essa definição bonitinha é um tanto falaciosa. O termo, verdadeiramente, quer dizer “crise; situação de perigo; momento precário”. E é apenas a justaposição de “ji” com outros caracteres que produziria o sentido de “chance, ocasião, oportunidade”. Pareceu-me bem OPORTUNO para os tempos atuais. O vírus nos traz, com a crise, a apreensão e o risco emergente; criar a oportunidade é por nossa conta...
Crisálidas isoladas que estamos (quase) todos nós, fui (apenas mais uma) a ficar pensando na potência da pandemia. O mal-estar sempre foi bom professor.
Quando eu conheci meu marido, estava estudando alemão. E, antes disso, estava estudando norueguês. Brasileiro acha cool morar na Europa. E eu, vaidosa que sou, não pretendia morar na Mooca do União Europeia quando, lá ao norte, existia a Escandinávia! A língua de Dante não tinha atrativos para mim… Mas eis que a oportunidade (ou risco iminente?) chegou. Avassaladora como um vírus invisível: a imigração para Roma.
Sozinha, sem emprego, sem família e sem amigos no fim do inverno europeu. Trancada em casa. Um ano antes que as autoridades determinassem qualquer decreto, eu vivia meu isolamento por vontade própria. O culpado? Co-Roma Vírus. Meu Covid-19 chegou no mesmo ano, nove meses antes de aterrar na terra de Mulan.
Sim, eu sei que tô catastrofizando tudo. É um desrespeito com o PLANETA eu comparar meu processo de white people problem a essa guerra oculta. E sim, faz toda diferença você escolher ou ser compelido a isolar-se, mas não é esse o ponto. O fato é que a combinação retiro + mal-estar me deu ganhos incomensuráveis que sinto estarem sendo reeditados com a situação atual.
Além do combo de escassez citado acima pelas condições de recém-expatriada, ainda tinha a antipatia com a cidade. Já de partida, eu achava difícil pra caramba gostar de um lugar que tinha matado um Cara tão legal quanto Jesus. O tanto de porta fechada, burocracia, descaso, grosseria, xenofobia e lentidão apenas coroaram o cenário apocalíptico.
Eu falei Apocalipse? É o que o senso comum diz da atual circunstância, certo? Há outros discursos. Sociólogos chamam de divisor de águas da nossa geração; para os espíritas, a transição planetária; prenúncio da Era de Aquário para os astrólogos… a lista continua. Mas eu não tenho condição nem pretensão alguma de me debruçar sobre o assunto. Tem muita gente (qualificada e não) escrevendo coisa (bacana e não) sobre isso. A unanimidade é a seguinte: precisamos encontrar novas formas de produzir, de consumir, de habitar… de existir.
O expatriado passa por tudo isso. Com uma dose do mesmo bônus do Corona: o medo.
Dentre todas as benesses que o meu Co-Roma me trouxe, a gestão do pânico foi a mais preponderante. Pânico mesmo. Tive minha primeira crise de pânico aos 8 anos de idade e, depois de inúmeros tipos de tratamento em 22 anos (não estou exagerando quando digo inúmeros), não acreditava mais em poder superá-lo. Foi em partes Co-Roma, a minha inimiga sem rosto, que me curou. Completamente. Muita coisa aconteceu nesse solo em isolamento. Em Roma, eu voltei a sangrar. Em Roma, me vi mulher. Em Roma, pensei que enlouqueceria. Em Roma, eu doí até aceitar. Da aceitação germinou a obra e, com a obra, novas formas de habitar e existir. Co-Roma-19 foi boa para mim. “Uma benção disfarçada”, como ouvi do guru indiano.
O mundo está em pânico e, de pavor, eu entendo. E sei que a esquiva de senti-lo, lançando-se no frenesi da vida, é o modo mais eficiente de fazê-lo permanecer. Não é negando que se resolve, não escutemos o presidente. Nem negar, nem enlouquecer. Aceitá-lo, respeitá-lo e retirar-se. O combatimento, diferentemente das outras guerras, é tarefa de alguns poucos heróis das ciências médicas. A nós outros, o retiro. Afinal, caberá a nós decidirmos essas novas formas de existir quando o vírus e o medo passarem.
O petróleo despencou. Precisamos mesmo reerguê-lo?
Manteremos limpos os canais da Bella Venezia?
Apagaremos de novo as estrelas que, em apenas 15 dias, voltaram a ser visíveis?
A cooperação não precisa minguar quando o salário cair na conta novamente. O consumo não deve tirar o atraso, nem fazer novo estoque.
A crise de pânico, quando não aceita e vivida, tende a retornar num labirinto vicioso. O vírus se vai, mas - se precisarmos - a Natureza nos chama a atenção quantas mais vezes forem.
Lembremos dos chineses (povo e léxico): a crise só vira oportunidade se nós fizermos a justaposição. A justa posição.